sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Contos Bodais I - Tobby

Tobby era um pequeno bode comedor de palavras. Os seus vizinhos não gostavam dele porque ele sempre estragava tudo: nenhum pensamento conseguia se concluir porque Tobby sempre aparecia e destruía alguma parte importante do edifício intelectual que começava a se erguer.

Alguém tentava montar um silogismo e lá vinha Tobby, comendo uma das premissas e jogando por terra a conclusão. Outro tentava construir um soneto e lá vinha Tobby, engolindo palavras dos versos e destruindo a métrica poética. Um terceiro tentava afirmar uma simples sentença sobre qualquer coisa e lá vinha Tobby comendo o sujeito ou o predicado, deixando a frase inútil e sem sentido. Todos detestavam Tobby.

Os seus pais, bodes velhos e educados, ensinaram-lhe a ser seletivo com o que comia; educaram a gula do pequeno Tobby. Em vez de devorar qualquer coisa que via pela frente, os pais ensinaram-lhe a comer somente as palavras fora de lugar, os versos mal-feitos, os sofismas e as afirmações equivocadas. De destruidor de raciocínio, Tobby se transformou em verdadeiro catalisador do pensamento. Todos os seus vizinhos queriam que Tobby olhasse o pensamento deles e, qual agricultor experiente, comesse os cardos errôneos da semeadura intelectual.

Passaram a venerá-lo como um ser supremo, quase um deus, condição mesma para a construção de qualquer pensamento. Tobby, satisfeito, sempre pensava que não agia nada de diferente: continuava comendo pensamentos como sempre fizera. Só educara o seu paladar, para degustar algumas coisas e não outras. Mas isto fez toda a diferença: todos os vizinhos do pequeno Tobby, agora, só pensavam na presença do pequeno bode.

O tempo passou e Tobby, um dia, ficou doente e morreu. Os seus vizinhos enlouqueceram: e agora? Quem lhes iria podar os erros do pensamento? Quem iria arrancar as ervas daninhas dos raciocínios? Frenéticos, começaram a se sacudir e, neste sacolejar, as palavras que estavam menos firmes eram arremessadas longe. Perceberam que, com isso, acontecia algo parecido com o que Tobby fazia: algumas partes do pensamento eram lançadas fora. E assim passaram a construir os seus pensamentos, tirando-lhes não mais os elementos que aprazia ao pequeno Tobby comer, mas os que se soltavam quando eles sacolejavam. Diziam que era "o espírito de Tobby" que assim agia quando eles sacolejavam. E, assim, os seus pensamentos ficaram cada vez mais pobres e incoerentes, devido à retirada aleatória de seus elementos constituintes.

Resumindo a história, Tobby, o bode, passou a vida toda comendo pensamentos; no princípio os destruía e, depois, os aperfeiçoava. Os seus vizinhos passaram a vida toda arrancando pedaços de pensamentos: primeiro os purificavam e, depois, os destruíam. Todos continuaram fazendo sempre a mesma coisa, mas Tobby passou de um bode destruidor a um bode revisor crítico e, os seus vizinhos, passaram de eficazes jardineiros intelectuais a insanos que arrancavam aleatoriamente as mudas da sua plantação intelectual.

Foi daí que surgiu aquele ditado: "quem não bode se sacode". E os sacolejantes vizinhos do pequeno bode nunca mais conseguiram construir pensamentos como os que faziam nos áureos tempos de Tobby.